Tête-à-Tête – Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre



TÍTULO: Tête-à-Tête – Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre
AUTORA: Hanzel Rowley
EDITORA: Objetiva
ANO: 2006


O livro chegou com atraso, mas foi um presente pelo meu aniversário de 20 anos. Um presente especial, de uma pessoa especial, em uma data marcante. Ganhei e deixei de lado; depois, coloquei em  uma mala lotada de expectativas, com  destino ao Rio de Janeiro.

Naquele ano eu passava por um intenso reboliço interior. Era um momento de transição, com direito a crise de insônia, álcool e tabaco: a mistura peculiar das mentes inebriadas. Era o chamado espiritual que tudo devora, o  instante em  que todos os conceitos se dissipam e somos despidos diante do mundo.

Toda essa confusão me fazia ler com a necessidade de quem procura um abrigo em  dia de chuva. E realmente chovia muito em  Macaé, cidade que já não tem muitos atrativos. Com o tempo ruim, fomos a serra. As curvas do caminho estavam molhadas e perigosas como nunca, chegamos de madrugada  e montamos barracas improvisadas no meio daquilo que parecia o  nada. Sem TV, Internet, rádio ou telefone, restava-me o existencialismo de Simone e Sartre.

À  medida que eu lia, era envolvida pela atmosfera recriada nas páginas do livro. E logo entendi a crítica do Washington Post trazida na capa:

Cativante... os leitores vão virar  as páginas... hipnotizados”.

 Tête-à-Tête é uma dupla biografia e o desafio de uma vida (creio eu). A autora (Hanzel Rowley)  redescobre detalhes do controverso e intenso relacionamento de dois ícones da filosofia  mundial: Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre, considerados os pais do existencialismo. Ela  investiga os círculos sociais que eles frequentavam, analisa cartas e vestígios deixados, entrevista pessoas que conviveram com eles e consegue fazer um retrato de dois lados. 

É notório que a autora tem mais familiaridade com Beauvoir, a quem entrevistou pessoalmente para fazer uma tese de doutorado sobre o existencialismo.  Apesar  de trazer revelações sobre Sartre, faz isso sempre do ponto de vista de alguém. O livro é contundente, bem escrito e alicerçado em anos de pesquisa. Traz fotos, dados, trechos de cartas e diários. Começa com o instante em que os personagens principais se conheceram na Sorbonne, em 1929. Simone tinha 21 anos e Sartre se sentiu atraído por “sua beleza e inteligência, sua voz rouca e a velocidade com que falava”.

Daí em diante as histórias seguem se entrelaçando a cada capítulo até se tornarem uma só. Os apaixonantes escritores alimentaram durante toda vida um relacionamento notavelmente aberto, onde recusaram o casamento e compartilharam paixões.  Rowley teve acesso a um material inédito e  por isso nos traz conversas do casal sobre questões íntimas. Assim, ficamos por dentro das angústias que eles também sentiam.

Simone era aterrorizada com a ideia de que um dia iria envelhecer e morrer. Para ela, que era muito vivaz, convalescer parecia inaceitável. Já Sartre era  perturbado por sua feiura, fato que atrapalhava inclusive seu desempenho sexual, apesar de ter muitas parceiras, ele certamente às conquistava com a inteligência.  


Em 1929 Sartre e Beauvoir firmaram o pacto:

O Amor que tinham um pelo outro era ‘essencial’ e fundamental. Eles eram dois da mesma espécie, um duplo do outro e seguramente seu relacionamento duraria a vida inteira”.

Mas ele desde sempre deixara claro que não queria a monogamia: “Sartre estava convencido de que o amor não era possessão. Para ele, o tipo mais generoso do amor significava amar a outra pessoa como  um ser livre”.

Ela titubeou, mas aceitou a proposta ao perceber que  também precisava de liberdade. E foi nisso que basearam suas vidas, na liberdade que pregavam e se esforçavam para seguir, mesmo que sofressem.

Com a leitura, pude compreender um pouco mais da personalidade de uma pessoa que sempre me fascinou. Não posso dizer que Beauvoir representa para mim um modelo, mas uma inspiração. O bom de ler biografias é perceber que  aqueles que admiramos são, antes de tudo, seres humanos. Também têm suas falhas e fragilidades. Simone tinha muitas, mas ela  nunca teve a pretensão de criar um estereótipo, era apenas ela mesma,  com suas confusões internas e indecisões.

Não se encaixava muito bem ao modelo social em que estava. Não aceitava as imposições da sociedade de sua época e lutava contra a formatação. Não pretendia ditar um padrão, porque não queria ter que seguir um.

Já o Sartre era um pouco controverso sim. Como todo homem, ele quis ser um macho alfa, cheio de mulheres e pregando a tal liberdade, mas no fundo era um garoto feio, dependente e brilhante.

Com essa biografia percebi que os momentos de nebulosa confusão mental e existencial são parte da vida dos seres pensantes, daqueles que cultivam o estranho hábito de refletir sobre sua própria existência. Reflexão essa que é motivada por dúvidas e questionamentos e que às vezes parece nos enlouquecer, mas que no fim das contas nos  diferencia e engrandece.

Foi assim com Sartre, Beauvoir, Kahlo, Diego Rivera e tantos outros. Eles caminharam sobre a linha tênue que separa a genialidade da loucura e expressaram esse difícil malabarismo em suas obras.

Ainda embebecida pela leitura resolvi me abrir um  pouco mais às experiências que aquela viagem  me  oferecia. Quando a chuva deu uma trégua, olhei à minha volta e tive a impressão de estar num pedaço do paraíso. Foi mágico! Pude perceber que a vida depende apenas da gente para ser boa ou ruim.  

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Sobre este blog

“Nós que não estamos aqui só a passeio...” Temos um árduo caminho a percorrer. Um caminho cheio de altos e baixos, cheio de desafios, de obstáculos, de alegrias e descobrimentos. O caminho leva ao sacrifício que muitas vezes implica em solidão. Mas, envolvidos em uma atmosfera inebriante, buscamos o que nos move: amor, paixões, sonhos... não importa. Iniciamos o processo, seguimos o caminho e ao longo dele nos deparamos com outros que também estão em busca de si. É assim que começamos a dividir, conhecer, acrescentar, compartilhar... experiências, momentos, vidas e prosas.

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