Kafka por Kafka

"Aqui estão os manuscritos - minhas únicas cópias - para sua esposa. Não os mostre a ninguém. (...) Não estou incluindo os romances. Por que reavivar as velhas lutas? Só porque ainda não os queimei? Na próxima vez em que eu o vir, espero que tenha sido feito. Qual o sentido de se resguardar trabalhos assim tão ilegítimos? Por que se espera que esses fragmentos de alguma forma se combinam para formar o meu todo, alguma côrte de apelação em cujo peito poderei me atirar quando necessitado? Sei que não é possível, que daí não vem auxílio nenhum. Então o que devo fazer com essas coisas? Desde que elas não me possam ajudar, vou deixá-las me prejudicar, em vista desse conhecimento?"

Franz Kafka em carta a Max Brod
Praga, fins de dezembro de 1917


Frida por Frida


“Minha pintura traz em si a mensagem da dor. Creio que ao menos algumas pessoas se interessem por ela. Pintar completou minha vida. Perdi três filhos e uma série de outras coisas, que teriam preenchido minha vida pavorosa. Minha pintura tomou o lugar de tudo isso. Creio que trabalhar é o melhor”.  

Da autobiografia de Kahlo

Cartas Apaixonadas de Frida Kahlo


Título: Cartas Apaixonadas de Frida Kahlo
Compilação: Martha Zamora
Tradução: Vera Ribeiro
Editora: José Olympo



Durante meses, procurei algo interessante para ler, mas não encontrei na minha estante. Aproveitei a ida ao Rio de Janeiro para procurar algo diferente. Encontrei, mas como não tinha muito dinheiro (e livros continuam sendo muito caros aqui no Brasil) tive que escolher um título. Comprei então As Cartas Apaixonadas de Frida Kahlo, que chamou minha atenção por dois motivos: primeiro, trata de uma personagem que sempre me intrigou bastante; e, segundo, tem por conteúdo cartas escritas durante uma vida inteira, em diversos momentos e para diversas pessoas. Meu lado memorialista me convenceu que essa poderia ser a forma mais acessível de entender um pouco da mente e do coração da mexicana.

O livro é uma autobiografia não-intencional. Quer dizer que foi escrito por Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón, sobre sua própria vida, sem que ela percebesse. Na verdade, trata-se de uma compilação de cartas escritas para amigos, parentes e amores da artista plástica. O enredo a se desenrolar é a sua vida, seus momentos, suas experiências. Conta sobre o acidente, sobre as muitas idas ao hospital, as operações e, principalmente, sobre as crises afetivas. Logo no início, há uma cronologia que se faz muito necessária já que as cartas pulam um grande espaço de tempo e algumas informações se perdem. Por exemplo, as primeiras cartas são escritas a Alejandro Gomes Arias, namorado de Frida durante a adolescência, com quem ela estava quando foi atropelada. Depois de uma sequência, surge uma carta em que ela já está em São Francisco, casada com o pintor Diego Rivera, com que teve um relacionamento difícil até o final da vida. A própria Frida resume bem a relação em seu diário:

"Diego, houve dois grandes acidentes na minha vida: o bonde e você. Você sem dúvida foi o pior deles."

É preciso voltar e olhar a cronologia para entender como isso aconteceu. Algumas correspondências são separadas por anos.

Comecei a ler as cartas em um momento de total desinteresse literário. O desencanto atingiu minhas outras formas de percepção do mundo e até mesmo aquela viagem ao estado maravilhoso parecia um tanto sem cor. Acreditei no talento artístico da pintora e da mulher e, aos poucos, Frieda fez de cada página, uma tela carregada de emoções: sofrimento, dor, romantismo, loucura. Tudo de um jeito intenso, forte, impactante.

Mas é possível ler muito além das entrelinhas. Eu nunca entendi a personagem Frida Kahlo (Frieda é seu nome de batismo). Conheci o nome através de uma amiga da escola, Valéria Fagundes (a mesma que me apresentou a Simone e outros tantos). Depois, vi um filme baseado em sua vida, mas a história me pareceu confusa. Nunca decidi se gostava ou não de sua personalidade até ler suas memórias.

Frieda é paradoxal: ao mesmo tempo forte e muito frágil; decidida e passional, intensa e desanimada. Há em sua personalidade um “quê” carregado de pessimismo que é desconcertante. Muitos conseguiram transformar sua dor em arte e isso é belo: Florbela Espanca, Schopenhauer, Dostoievski, Nauro Machado, Cecília Meireles e tantos outros. Mas Frieda vai além da beleza:




Sim, ela tem motivos: ainda criança sofre um ataque de poliomielite que lhe afeta permanentemente o uso da perna direita; na adolescência sofre um acidente e sai gravemente ferida. Convalescente, ela começa pintar. Sua arte é a forma que ela tem externar a dor física e também existencial.

O negativismo com que percebe a vida é tão forte que nos convida a sofrer com ela. E esse ponto de sua obra, tomado de forma isolada, é desagradável.

Para entender a obra de Kahlo é preciso entender primeiro a artista. Ela mergulhou no surrealismo para olhar dentro de si mesma. Quando acompanhamos esse mergulho percebemos que a barreira entre o que é belo e o que é sofrível não está apenas em quem cria, mas em quem percebe a criação. É preciso haver reconhecimento para que se crie identidade. Mas não é fácil olhar para ela, Frida traz a dor no olhar e nos induz ao conflito que só é solucionado quando deixamos de dar importância a ele. Na verdade, não importa se a arte de Frida é dor ou beleza. Basta ser arte e isso é suficiente.

NOSSA ESTANTE




A Leitura é essencial para a Escrita. Para produzir, precisamos nos abastecer de histórias, experiências, emoções. Os livros nos permitem esse mergulho, essa viagem no universo de um outro criador.

Através deles podemos conversar com outras mentes, conhecer personalidades, desvendar mistérios e até nos apaixonar.

Alguns livros influenciaram as nossas vidas e, por isso, ocupam lugar especial na NOSSA ESTANTE. 

Sobre este blog

“Nós que não estamos aqui só a passeio...” Temos um árduo caminho a percorrer. Um caminho cheio de altos e baixos, cheio de desafios, de obstáculos, de alegrias e descobrimentos. O caminho leva ao sacrifício que muitas vezes implica em solidão. Mas, envolvidos em uma atmosfera inebriante, buscamos o que nos move: amor, paixões, sonhos... não importa. Iniciamos o processo, seguimos o caminho e ao longo dele nos deparamos com outros que também estão em busca de si. É assim que começamos a dividir, conhecer, acrescentar, compartilhar... experiências, momentos, vidas e prosas.

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