Perto e distante


Quem garante
Que o que você é
É o que o outro espera de você?
Distante
O que você me diz do que eu sinto
Não sei porque.

Quem garante
Que o que você é
É o que o outro espera de você?
Distante
O que você me diz do que eu sinto
Não sei porque.

Quem garante
Que seguindo adiante eu possa enfim viver?
Sem me comparar
Sem entristecer
Sem tentar mudar
Sem poder entender.
Não dá
Eu vou ter que sair pra poder voltar.

Me ver
Me achar
No seu olhar
Pra entender o que é o gostar.

Me ver
Me achar
No seu olhar
Pra entender o que é o gostar.

Quem garante
Que o que você é
É o que o outro enxerga?

Tiê, Pedro Granato e Plinio Profeta

Disritmia

Meu coração bate acelerado
Desde que sentiu inveterado
Seu cheiro tão mais perto de mim.
Milhões de quilômetros já não nos separam
Sinto você pelas esquinas
Sua quase presença me acorda.
Meus pés tocam a superfície dos sonhos
que estranhamente se tornaram reais
tento controlar a disritmia
que dentro do meu peito se desfaz.
Mas sei que o momento está próximo
Preciso manter a serenidade
E depois de um sono profundo
Despertar com Amor
Para a felicidade.

Maria de Beauté  



Sentido irretocado

Sinto sem tocar a pele que em brasa ardeia
Na superfície inebriada das constelações crossais
Na janela da inverdade de fina candeia
Em um mundo que invento com letras semanticais.
Minto o fogo que deveras não sinto
Mas sinto como se sentisse em toque não dei
Por vezes credito a inveratez do não fazer
Pois tão forte a sensação sentida
Daquilo que apenas desinventei.
Nas letras da palavra imaginativa
Até crio o sentido que não tive
Mas quem vai descobrir a minha vida
Se até mesmo eu me perco na investida?

Maria de Beauté

Tempo de Amor


Ah, bem melhor seria
Poder viver em paz
Sem ter que sofrer
Sem ter que chorar
Sem ter que querer
Sem ter que se dar

Mas tem que sofrer
Mas tem que chorar
Mas tem que querer
Pra poder amar

Ah, mundo enganador
Paz não quer mais dizer amor

Ah, não existe
Coisa mais triste que ter paz
E se arrepender
E se conformar
E se proteger
De um amor a mais

O tempo de amor
É tempo de dor
O tempo de paz
Não faz nem desfaz
Ah, que não seja meu
O mundo onde o amor morreu

Baden Powell e Vinícius de Moraes

Na Noite Terrível...


Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insónia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incómoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado – esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.

Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido –
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso – e foi afinal o melhor de mim – é que nem os Deuses fazem viver...

Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro –
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.

Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada concludentemente,
A matéria toda resolvida...
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.
O que falhei deveras não tem esperança nenhuma
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei.
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos,

Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível pra mim.


Fernando Pessoa - Álvaro de Campos
11/05/1928

Sobre este blog

“Nós que não estamos aqui só a passeio...” Temos um árduo caminho a percorrer. Um caminho cheio de altos e baixos, cheio de desafios, de obstáculos, de alegrias e descobrimentos. O caminho leva ao sacrifício que muitas vezes implica em solidão. Mas, envolvidos em uma atmosfera inebriante, buscamos o que nos move: amor, paixões, sonhos... não importa. Iniciamos o processo, seguimos o caminho e ao longo dele nos deparamos com outros que também estão em busca de si. É assim que começamos a dividir, conhecer, acrescentar, compartilhar... experiências, momentos, vidas e prosas.

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