Amor
A jovem deusa passa
Com véus discretos sobre a virgindade;
Olha e não olha, como a mocidade;
E um jovem deus pressente aquela graça.
Depois, a vide do desejo enlaça
Numa só volta a dupla divindade;
E os jovens deuses abrem-se à verdade,
Sedentos de beber na mesma taça.
É um vinho amargo que lhes cresta a boca;
Um condão vago que os desperta e toca
De humana e dolorosa consciência.
E abraçam-se de novo, já sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
A queimar o que resta da inocência.
Miguel Torga
Marcadores: Poesia alheia
O Poeta
A vida do
poeta tem um ritmo diferente
É um
contínuo de dor angustiante.
O poeta é
o destinado do sofrimento
Do
sofrimento que lhe clareia a visão de beleza
E a sua
alma é uma parcela do infinito distante
O
infinito que ninguém sonda e ninguém compreende.
Ele é o
eterno errante dos caminhos
Que vai,
pisando a terra e olhando o céu
Preso
pelos extremos intangíveis
Clareando
como um raio de sol a paisagem da vida.
O poeta
tem o coração claro das aves
E a
sensibilidade das crianças.
O poeta
chora.
Chora de
manso, com lágrimas doces, com lágrimas tristes
Olhando o
espaço imenso da sua alma.
O poeta
sorri.
Sorri à
vida e à beleza e à amizade
Sorri com
a sua mocidade a todas as mulheres que passam.
O poeta é
bom.
Ele ama
as mulheres castas e as mulheres impuras
Sua alma
as compreende na luz e na lama
Ele é
cheio de amor para as coisas da vida
E é cheio
de respeito para as coisas da morte.
O poeta
não teme a morte.
Seu
espírito penetra a sua visão silenciosa
E a sua
alma de artista possui-a cheia de um novo mistério.
A sua
poesia é a razão da sua existência
Ela o faz
puro e grande e nobre
E o
consola da dor e o consola da angústia.
A vida do
poeta tem um ritmo diferente
Ela o
conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e olhando o céu
Preso,
eternamente preso pelos extremos intangíveis.
Vinicius de Moraes
Marcadores: Poesia alheia
SONETO DE CONTRIÇÃO
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
Vinicius de Moraes
Marcadores: Poesia alheia
Cacos no chão
O
fel das tuas palavras
atingiu-me
em cheio
eu
não pude fugir
da
dor que me causaste.
O
meu peito trincou
como
vidro frágil
e
partiu em pedaços
como
cacos no chão
Tua
boca que outrora
só
amor me dirigia
e
adoçava minha vida
com
o som da tua voz
Hoje
estremece as bases
da
minha’alma
e
enfraquece os laços
firmados
entre nós.
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